COVID-19: conheça as diferenças entre teste rápido e RT-PCR - FEALQ PELA VIDA

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COVID-19: conheça as diferenças entre teste rápido e RT-PCR

O grande aumento do número de casos da doença COVID-19 causada pelo novo coronavírus, cientificamente chamado de SARS-CoV-2 (sigla para síndrome respiratória aguda grave – coronavírus 2), e sua rápida disseminação global fizeram com que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarasse uma pandemia global da doença no dia 11 de março de 20201. Devido a necessidade de um maior controle da disseminação do vírus, a maioria dos países vem respondendo à pandemia com estratégias que incluem variações de métodos de isolamento social e de rastreamento do contágio2.

O rastreamento do contágio pode ser realizado através da realização de testes diagnósticos de COVID-19. Segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC), existem atualmente dois tipos de testes a serem realizados para o diagnóstico da COVID-19: o teste de anticorpo e o teste viral3. O teste chamado de “teste rápido” realizado em farmácias atualmente no Brasil se encaixa na categoria do teste de anticorpo, já o teste realizado por laboratórios credenciados e licenciados se encaixa na categoria do teste viral.

No entanto, segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), o teste rápido não tem função de diagnóstico, confirmação ou descarte de infecção por COVID-19, porém, têm relevante utilização no mapeamento do status imunológico de uma população já exposta ao vírus. Apesar do teste permitir observar o estado imunológico apenas no momento da coleta, essa informação contribui no processo do controle pandêmico através de um melhor acompanhamento da pandemia. Ele também pode apresentar resultado falso positivo, que indica que a pessoa pode ter tido contato com outros tipos de coronavírus e não com o SARS-CoV-2, dada a similaridade dos anticorpos produzidos por ocasião da infecção. Sendo assim, esse tipo de teste não deve ser utilizado como detecção única da COVID-19 e seus resultados devem ser analisados por profissional de saúde legalmente habilitado e capacitado, seguindo as instruções de uso de cada produto. Mais informações sobre a real utilidade do teste rápido podem ser encontradas no documento oficial sobre o assunto publicado pela ANVISA4.

O teste rápido apresenta o resultado em 30 minutos, tem uma metodologia simples através de um kit de teste rápido One Step COVID-2019 baseado na tecnologia de imunocromatografia de fluxo lateral, pode ser realizado com amostras de soro, plasma ou sangue total do paciente e detecta anticorpos IgM/IgG contra o vírus SARS-CoV-2 ou similares. Informações específicas sobre o conteúdo do kit do teste, como o mesmo é realizado e como os resultados são interpretados podem ser encontrados no documento oficial publicado pelo Ministério da Saúde brasileiro5.

Alguns estudos já foram realizados demonstrando que esse tipo de teste realmente não é adequado para detecção da COVID-19 pelo fato de que o mesmo apresenta uma alta taxa de falsos negativos, especialmente se não forem realizados na fase aguda da doença. Isso porque é necessário que haja uma quantidade mínima de anticorpos para a correta detecção pelo teste, o que ocorre normalmente por volta de 7 a 8 dias após o início dos sintomas ou da contaminação. No entanto, mesmo após esse período não é garantido que a carga de anticorpos no paciente seja alta o suficiente6 7.

O teste viral, realizado por laboratórios credenciados e licenciados para tal através da metodologia de RT-PCR (sigla em inglês para Reverse Transcription – Polymerase Chain Reaction) é um teste que verifica a presença de material genético do vírus na amostra retirada do paciente, sendo o teste definitivo no diagnóstico da doença segundo a OMS e não detectando contágios passados4.

Para a realização do teste viral, por RT-PCR, são utilizados geralmente secreções respiratórias, coletadas por meio de swabs da garganta ou nariz e a emissão de laudos leva alguns dias4. Ambas as regiões costumam ser combinadas para aumentar a sensibilidade do teste e a melhor época para se coletar a amostra é quando os sintomas aparecem. Os testes de RT-PCR são realizados por especialistas em biologia molecular, requerem equipamentos e reagentes com valores substanciais8, envolvem uma reação química envolvendo primers específicos para um ou mais genes virais e produz uma luz fluorescente se o material genético do vírus está presente. O número de testes a serem realizados em um curto período é limitado pelo número de laboratórios capacitados para realizar o mesmo em uma determinada região e principalmente pela disponibilidade de reagentes. Por exemplo, sabe-se que o número de testes produzidos na Alemanha e na França são insuficientes para testar em massa suas respectivas populações e que há um déficit de disponibilidade de testes em países em desenvolvimento9.

Para diminuir os custos dos testes de detecção de material genético viral, estão sendo propostos protocolos adaptados onde amostras de diversos pacientes são testados ao mesmo tempo na mesma reação, chamados de testes em pool ou group testings9. A ideia é a de que testando vários pacientes ao mesmo tempo, caso o resultado seja negativo atribui-se um diagnóstico negativo a todos os pacientes testados naquele grupo e, caso o resultado seja positivo, sabe-se que pelo menos um indivíduo do grupo está contaminado. Dessa forma é necessário então testar individualmente apenas os pacientes do grupo com resultado positivo para se determinar qual ou quais são positivos. Apesar de não ser uma ideia nova, tendo sido utilizada para testes de Sífilis em 1943, e de já estar sendo utilizada em testes para COVID-19 em Nebraska (Estados Unidos) e em Israel, o protocolo tem alguns pontos negativos a serem considerados como o número de testes positivos esperados (o que poderia aumentar o número de grupos que necessitariam de testagem individual subsequente) discutido em 9 e ainda o poder de detecção em grupo quando apenas um ou poucos indivíduos estão contaminados com baixa carga viral.

Outro ponto a ser considerado relacionado à testagem da doença é que no início da pandemia dois resultados negativos consecutivos intervalados no teste viral para COVID-19 em um paciente com um resultado prévio positivo pareciam ser suficientes para garantir que o mesmo não fosse mais uma fonte de infecção para o restante da população. No entanto, um estudo mais detalhado mostrou que alguns pacientes mostraram um tempo de conversão de ácido nucleico viral mais prolongado, ou seja, um período maior entre a data de aparecimento dos sintomas e o primeiro resultado negativo para RT-PCR. Mostrou ainda que há pacientes que apresentam um outro resultado positivo após o primeiro resultado negativo. Isso é uma indicação de que algumas pessoas parecem ter uma tendência a manter o resultado positivo por mais tempo podendo ser um foco de infecção prolongado ou ainda que houve falso negativo no teste. 21.4% dos pacientes analisados nesse estudo (15 de 70 pacientes admitidos em hospitais com sintomas leves a moderados entre janeiro e fevereiro de 2020 em Wuhan, China) apresentaram um resultado positivo depois de dois resultados negativos consecutivos. Os autores discorrem que resultados semelhantes foram encontrados em outros estudos e que um número considerável de pacientes parece apresentar um tempo de conversão de ácido nucleico mais prolongado independente do desaparecimento ou melhora dos sintomas ou de resultados de radiografias10. O mesmo grupo de pesquisa também mostrou que pacientes com tendências a apresentar prolongado tempo de conversão de ácido nucleico viral tendem a ser mais velhos e com mais comorbidades11. Sendo assim, deve haver mais cautela ao considerar como não mais propagadores do vírus pacientes diagnosticados com COVID-19 que apresentaram alívio dos sintomas e/ou passaram pelo tempo padrão de infecção segundo o qual seriam considerados como não mais propagadores do vírus.

Esses estudos nos mostram também que mesmo o teste de RT-PCR que é considerado o teste ouro para detecção de COVID-19 também pode apresentar resultados errôneos. Falsos positivos podem ocorrer devido à contaminação e falsos negativos podem ocorrer devido à baixa carga viral de um paciente ou ainda da porção da amostra coletada utilizada na extração do material genético no momento do exame. No entanto, a taxa de erro do teste de RT-PCR é muito menor do que aquele encontrado no teste rápido. A tabela 1 apresenta a tradução adaptada de um guia de como interpretar o resultado dos dois tipos de teste para COVID-19 retirada de um guia oficial do CDC3.

 

Tabela 1.
Guia de interpretação dos resultados dos testes de detecção de COVID-19. Traduzido e adaptado dos arquivos do CDC3

Guia de interpretação dos resultados dos testes de detecção de COVID-19

  Resultado Interpretação
Teste viral + Muito provavelmente* você tem uma infecção ativa de COVID-19 AGORA e pode transmitir o vírus para outros
(RT-PCR) Muito provavelmente* você não tem uma infecção ativa de COVID-19 AGORA
Teste de anticorpos + Você provavelmente* TEVE uma infecção por COVID-19
(teste rápido) Você provavelmente* NUNCA TEVE (ou ainda não desenvolveu anticorpos para) uma infecção de COVID-19
viral +,

anticorpo +

Muito provavelmente* você tem uma infecção ativa de COVID-19 AGORA e pode transmitir o vírus para outros
Ambos viral +,

anticorpo –

Muito provavelmente* você tem uma infecção ativa de COVID-19 AGORA e pode transmitir o vírus para outros
viral -,

anticorpo +

Você provavelmente* TEVE uma infecção por COVID-19 e se recuperou dela
viral -,

anticorpo –

Você provavelmente* NUNCA TEVE uma infecção por COVID-19

*Nenhum teste é perfeito. Todos os testes ocasionalmente resultam em falsos positivos ou falsos negativos. As vezes os resultados não são definitivos. Por essas e outras razões, os resultados devem sempre ser revisados por um profissional da saúde capacitado.

Sendo assim, é sempre importante se ater às diferenças e complementariedades entre os testes antes de pensarmos em qualquer planejamento futuro de testes em massa da população, já que os testes rápidos teriam como utilidade não o diagnóstico da doença mas são relevantes no mapeamento do status imunológico de uma população e já que os testes de RT-PCR são onerosos e dependem de mão de obra qualificada e laboratórios especializados. Apesar da necessidade de testes em massa ser a chave para controlar a pandemia, segundo a OMS, ainda há em várias partes do mundo acesso inadequado a testes diagnósticos e grande confusão entre profissionais da saúde e do público em geral sobre como priorizar a parte da população a ser testada ou ainda como interpretar os resultados dos testes disponíveis8.

É importante ressaltar ainda quatro pontos importantes sobre a COVID-19 que vão além de apenas entender as diferenças entre os tipos de teste: i) segundo o CDC, até o momento não se sabe se o fato de uma pessoa testar positivo para anticorpos contra o vírus significa que ela estará protegida de uma reinfecção e nem se sabe por quanto tempo essa proteção durará, caso exista3, ii) a maioria das pessoas infectadas com o novo coronavírus são assintomáticas ou apresentam sintomas leves e não serão diagnosticadas. Porém, idosos ou pessoas contendo comorbidades prévias apresentam uma maior chance de desenvolver a forma mais grave da doença que pode progredir para pneumonia, síndrome respiratória aguda grave, disfunção de múltiplos órgãos e morte12, iii) o alto número de casos não diagnosticados mas com poder infeccioso devido à alta taxa de pessoas assintomáticas e/ou a falta de testes disponíveis para toda a população global faz com o que o real tamanho da pandemia seja desconhecido13 14, iv) até o presente momento não há vacinas ou medicamentos específicos com comprovada ação contra a COVID-19 após passar por criteriosos testes científicos. No entanto, diversas pesquisas em desenvolvimento têm apresentado resultados promissores nos testes pré-clínicos tanto para vacinas quanto para medicamentos sabidamente efetivos contra outros vírus similares15 16. Felizmente a maioria dos infectados diagnosticados consegue se recuperar da doença com tratamentos de suporte aos sintomas, sem necessidade de internação nos casos leves e em hospitais nos casos mais graves17.

Até a presente data, 07 de julho de 2020, já foram notificados globalmente 11.327.790 casos de COVID-19, incluindo 532.340 mortes, sendo o continente americano aquele apresentando mais casos (5.820.840) seguido do continente europeu (2.791.160). Levando em consideração países isolados, os dois países com maior número de casos são os Estados Unidos (2.833.552) e o Brasil (1.577.004)18, sendo assim indicadas medidas de distanciamento social e higiene com o intuito de evitar a contaminação.

 

Referências:

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  2. Bedford, J. et al. COVID-19: towards controlling of a pandemic. Lancet 395, 1015–1018 (2020). Disponível em: https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(20)30673-5/fulltext
  3. Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Testing for COVID-19 (2019). Disponível em: https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/symptoms-testing/testing.html
  4. BRASIL – Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Testes para Covid-19: perguntas e respostas. 1–17 (2020). Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/documents/219201/4340788/Perguntas+e+respostas+-+testes+para+Covid-19.pdf/9fe182c3-859b-475f-ac9f-7d2a758e48e7
  5. BRASIL – Ministério da Saúde. SARS-CoV-2 antibody test. Teste Rápido Imunocromatográfico. (2020). Disponível em: https://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2020/April/14/SARS-CoV-2-antibodytest.pdf
  6. Cassaniti, I. et al. Performance of VivaDiag COVID-19 IgM/IgG Rapid Test is inadequate for diagnosis of COVID-19 in acute patients referring to emergency room department. J. Med. Virol. 1–4 (2020). Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7228409/
  7. Castro, R. et al. COVID-19: a meta-analysis of diagnostic test accuracy of commercial assays registered in Brazil. Brazilian J. Infect. Dis. 24, 180–187 (2020). Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1413867020300295
  8. Beeching, N. J., Fletcher, T. E. & Beadsworth, M. B. J. Covid-19: Testing times. BMJ 369, 1–2 (2020). Disponível em: https://www.bmj.com/content/369/bmj.m1403.full
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  11. Xiao, A. T., Tong, Y. X. & Zhang, S. Profile of RT-PCR for SARS-CoV-2: a preliminary study from 56 COVID-19 patients. Clin. Infect. Dis. (2020). Disponível em: https://academic.oup.com/cid/article/doi/10.1093/cid/ciaa460/5822175
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